Que o governo autoriza testes em animais todo mundo já sabe. A questão é: ainda
são necessários em pleno século 21? São justos? São éticos? Não estaria na hora
da Ciência dar um passo à frente ao invés de dois para trás? Muitos dos cães
retirados do Royal tinham ferimentos na boca, mutilação na língua, tumores
induzidos, tremores e falta de coordenação motora. Mesmo fora do Instituto, vários
babam e são tremendamente assustados – o oposto de um tipo de cão que é dócil e
muito sociável. Com isso é possível imaginar o que passaram. Com essas provas “vivas”
fica fácil identificar quem são os terroristas. Certamente quem causa tamanho
sofrimento a seres que não podem se defender. Nesse sentido as melhores
reportagens até agora foram feitas pelo Domingo Espetacular e Pânico na TV e
podem ser vistas nos links abaixo. Luciana Giminez dedicou um Superpop inteirinho ao tema (assista abaixo). A melhor frase foi do Datena na Band: “É
legal, mas não é justo”:
http://noticias.r7.com/videos/reportagem-da-semana-saiba-onde-estao-os-caes-resgatados-do-instituto-royal/idmedia/526478590cf2ff59fc4c4016.html
http://www.redetv.com.br/Video.aspx?39%2C9%2C368141%2Centretenimento%2Csuperpop%2Csuperpop-discute-o-uso-de-animais-em-pesquisas-1
Quanto custa a vivissecção
O Royal recebeu R$ 5.249.498,52 de convênios com o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação para “criação, manejo e fornecimento” de roedores e cães
para a ciência. Por que essa fortuna doada pelo governo não é investida em
métodos novos que dispensam o uso de animais? Para sensibilizar a população e
até colocá-la contra os ativistas da causa animal, o Royal diz que havia no
local pesquisas importantes
que vinham
sendo feitas há dez anos, inclusive, no combate ao câncer. Isso significa que
centenas, talvez milhares de animais, foram torturados e mortos para dez anos
depois não termos absolutamente nenhuma cura porque essa, só fica comprovada
mesmo, depois que a droga passa a ser testada em humanos.
Conforme muitos dos pesquisadores da Nova Ciência, a medicina se atrasa na
busca de curas de doenças testando em animais diferentes do homem. Organismos
diferentes reagem de forma diferente a medicamentos e tratamentos. A própria
condição em que os animais são mantidos nos laboratórios afeta
consideravelmente os resultados de uma pesquisa uma vez que o medo, a angústia
e a depressão liberam substâncias no organismo das cobaias que comprometem a
ação das drogas. O mais triste é ouvir o diretor do Royal dizer que “ainda
estamos muito longe de deixar de usar cobaias”. Como assim? Estão investindo em
métodos alternativos para poderem afirmarem tal coisa?
Como são os testes em beagles
Em geral, os testes com beagles são de toxidade oral, irritação aguda
ocular, irritação aguda dérmica e toxicidade reprodutiva (nesse caso é avaliada
quanto a substância afeta a capacidade do indivíduo em se reproduzir, seja
atrofiando seus órgãos genitais, dificultando a produção de gametas ou diminuindo
a libido). Os efeitos são devastadores e incluem náuseas, convulsões,
diarreias, dificuldade respiratória, entre outros.
“Os beagles são dóceis, mas esse não é o principal motivo para serem usados.
Cães SRD possuem muita variabilidade genética que não é adequada para testes de
toxicologia. Animais com perfil genético semelhante proporcionam dados mais
agrupados. Mas isso só mostra que esses resultados são resposta para esse
perfil genético. Considerando que não somos beagles não há muita utilidade neles”,
comenta o biólogo Sérgio Greif, autor da obra “Alternativas ao Uso de Animais
Vivos na Educação – Pela Ciência Responsável”.
Greif diz que para os testes de irritação ocular, por exemplo, há uma
centena de metodologias que não utilizam animais: “A maioria delas envolve o
uso de células animais isoladas in vitro e sistemas organotípicos, mas até a
germinação de uma espécie de leguminosa (Canavalia sp.) já se mostrou mais
efetiva para prever o que aconteceria ao olho humano do que olhos de coelhos
albinos ou de outros animais”.
Segundo o biólogo, outro recurso que pode ser utilizado em testes
toxicológicos é a simulação computacional: “Com base na conformação fisica da
molécula do tóxico é possivel se prever em quais sitios de ligação ela vai se
ligar. Essas informações podem ser cruzadas com informações armazenadas em um
banco de dados que, com base na estrutura da molécula, pode determinar que
efeitos ela terá sobre o organismo”.
A luta pelos beagles continua
Será que o Brasil dará um destino digno para esses cães como foi feito na
Itália, onde uma enorme ação popular libertou 2,5 mil beagles de um criadouro
em 2012? Imprensa, sociedade e autoridades italianas entenderam e atenderam o
apelo popular fechando o criadouro Green Hill que vendia cães para laboratórios
de pesquisa.
Ricardo Ligiera, presidente da Comissão de Proteção e Defesa
Animal da OAB-SP, pede que todos aqueles que ficaram com cães sob a sua guarda
que auxiliem na produção de provas dos crimes de maus-tratos ocorridos no
instituto, o que justificou o resgate dos animais: “Encaminhem fotos, vídeos e
documentos que comprovem os maus-tratos para a COMISSÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA
ANIMAL DA OAB – SP, para a instrução do Processo: Rua Anchieta, 35, 1.º andar,
CEP 01016-900. É muito importante que os animais sejam levados ao veterinário e
que seja solicitada a elaboração de laudos que comprovem os maus-tratos, o que
inclui a realização de experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que
para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Os
laudos devem conter a descrição de ferimentos, amputações, mutilações,
intoxicação, inoculação de substâncias agressivas, sequelas decorrentes das
experiências e confinamento, e indução de tumores para pesquisas”.
A Lei Arouca está louca?
A discussão em torno da manutenção da experimentação animal
ganhou fôlego e também “pegou fogo” por conta da Lei 11.794 também conhecida
como Lei Arouca sancionada em 2008. A partir de então, todos os centros de
experimentação animal precisaram criar Comissões Éticas no Uso de Animais
(Ceuas) para autorizar (ou não) os procedimentos. As comissões devem avaliar o
grau de sofrimento dos animais e se os resultados esperados pela pesquisa
justificam sua realização. Em cada Ceua deveria ter pelo menos um membro de ONG
de Proteção Animal, mas ocorre que, para o protetor membro do Ceua, pode se
tratar de uma luta solitária e em vão contra uma maioria de pesquisadores
afirmando a necessidade de um determinado teste em animais.
Para muitos, a Lei Arouca tem um aspecto positivo que é o controle de abusos
(excesso de animais utilizados e muitas vezes sem anestesia) e a proibição de
testes para cosméticos, mas para um grande grupo a lei veio apenas legalizar
ainda mais os testes e, quando muito, impor alguns procedimentos que visam o
bem-estar da cobaia como se isso fosse possível num ambiente hostil, solitário,
muitas vezes impedindo a mobilização do animal e em meio a aplicações de
sustâncias tóxicas e letais.
Vale lembrar da vacina que não é
vacina
Vale mencionar que a própria vacina contra a Aids que está sendo testada em
macacos rhesus no Brasil sequer é uma vacina. As pessoas não ficarão imunes à
Aids, apenas poderão tomar o coquetel ou outras drogas de combate à doença mais
tarde. Em entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo, Edécio Cunha Neto (líder
do grupo de pesquisa) explica que a vacina não vai evitar que a pessoa se
contamine com o HIV, mas vai criar resposta imune prévia e, se um dia ela for
contaminada, seu sistema imunológico já estará preparado para combater o vírus:
“Na prática isso prolongaria o tempo para início do tratamento com o coquetel
anti-HIV e reduziria drasticamente as chances dessa pessoa transmitir o vírus. Enquanto
não existe uma vacina com anticorpos totalmente neutralizantes, essa seria a
melhor solução”.
A primeira fase da pesquisa dura oito meses. Depois outros 24 macacos serão
usados para testar várias fórmulas da vacina. O tempo esperado de conclusão
está entre 24 e 48 meses para os quais são necessários investimentos de R$ 200
milhões. Só então a vacina será testada em humanos que não apresentam o vírus.
O
possível fim dos testes em animais
Uma das
descobertas mais geniais dos últimos tempos é a córnea artificial desenvolvida
por pesquisadores japoneses no National Institute of Agrobiological Societies.
Trata-se de uma membrana de colágeno ultrafina que permite o cultivo de células
que, por sua vez, recriam a córnea humana. Essa córnea mostrou-se mais eficiente
que os olhos dos animais para detectar produtos tóxicos. Os resultados são mais
específicos e próximos ao que aconteceria ao olho humano submetido as mesmas
substâncias. E o melhor: a metodologia pode ser aplicada com células de
qualquer parte do corpo, da pele aos órgãos internos, aposentando de vez os
testes em animais que, inclusive, são bem mais caros que os testes in vitro.
Texto Fátima Chuecco