Princesa Izabel já idosa, em Paris. Ela morreu com 75 anos
Porque para a construção de um mundo mais justo e de igualdade cada um de nós tem que plantar uma semente. Porque mesmo não sendo professores ou escritores, cada um de nós é pai, mãe, tio, tia, vizinho ou amigo de negros. Acompanhe o raciocínio abaixo e veja que semente vc pode plantar.
Fazem apenas 128 anos que os negros se tornaram livres no
Brasil, ou seja, pouco mais de um século. A Abolição da Escravatura no Brasil
se deu em 13 de maio de 1888 pela Lei Áurea assinada pela Princesa Isabel que,
por sua vez, era filha de D.Pedro II, nascida no Rio. Se pararmos para
pensar, trata-se de um fato relativamente recente. Jovens negros da atualidade
podem ter tido bisavós escravos. E 128 anos não é tempo suficiente para grandes
mudanças. Além disso, quando libertados, os negros caíram automaticamente na
camada mais pobre da população da época, com quase nenhum acesso aos estudos e
trabalhos de níveis e salários menores. A maioria continuou prestando serviços
braçais por não saber fazer outra coisa e nem ter melhores oportunidades de
emprego.
Isso é um fato. O outro é que, independente da trajetória
física, isto é, a trajetória dos negros no tempo e espaço, persiste uma
discriminação racial visível a qualquer pessoa. Eu, por exemplo, me formei em
Jornalismo nos anos 90 e na minha sala havia apenas dois negros entre 60
alunos. Isso porque era Jornalismo, um curso de meio período e normalmente mais
barato. Em Medicina nem se fala! Quantos médicos e dentistas negros a gente vê
em atuação? Na formatura da minha sobrinha, já no século XXI (e pelo menos um
século após a Lei Áurea) não havia nenhum formando negro na faculdade que ela
cursou. Todos os negros presentes na festa eram convidados dos formandos ou
garçons e porteiros.
Beyoncé é uma das negras mais famosas e ricas do planeta, mas quantas chegam a esse ponto?
Essa semana mesmo a Record está exibindo uma série de
reportagens sobre a situação dos negros e pardos no Brasil. Sãos os mais pobres
e a maioria dos desempregados e, inclusive, quando empregados, ganham menos.
Claro que temos vários exemplos de negros bem-sucedidos no mundo do esporte e
das artes, mas dá para contar nos dedos. Ainda hoje, 128 anos após a abolição da
escravatura, os atores negros ainda fazem, preferencialmente, papel de
escravos, empregados e bandidos nas novelas, minisséries e filmes. Dificilmente
o negro é visto como grande empresário, ricaço, galã ou protagonista da novela.
Uma das raras exceções é Mister Braum.
Nos últimos anos, o mundo publicitário tem dado alguma
colaboração para que isso mude. Há várias propagandas com negros, mas ainda são
tímidas perto da avalanche de brancos pilotando carros de luxo, usando perfumes
caros e protagonizando comerciais de inúmeros produtos.
Cabelo de princesa
Uma propaganda que me pareceu “gritante” ao deixar bem claro
o quanto a discriminação ainda é forte (e reforçada o tempo todo) foi “Cabelo
de Princesa” com menininhas brancas tratando os cabelos com um determinado
xampu. Não havia uma só representante negra ou parda. Fiquei imaginando como se
sentiram as garotinhas negras assistindo aquela propaganda. Cabelo de princesa
longo e liso é um conceito marcante em nossa sociedade que afeta diretamente as
novas gerações de negros que crescem assistindo que a beleza se encontra apenas
nas crianças e pessoas de cor branca.
Outro ”reforço” na infância contra os negros se dá pelos
clássicos livros de história... e até nos mais modernos. Heróis, príncipes e
princesas são sempre brancos, com raríssimas exceções.
Isso alimenta a
autoestima da criança branca que consegue se identificar com aqueles
personagens “fortes, corajosos, bonitos e do bem”, mas deixa as crianças negras
no vácuo, com sensação de impotência, sem referência de heróis e princesas com
seu tom de pele.
Nos grandes clássicos infantis como A Bela Adormecida,
Branca de Neve e os Sete Anões, Alice no País das Maravilhas, Chapeuzinho
Vermelho etc não há negros. Claro que os escritores desses clássicos criaram
personagens de acordo com a sociedade em que viviam e em que o negro era uma
figura nula. Não podemos criticá-los por isso pois eles criaram de acordo com a
época em que viviam. Mas novas versões desses clássicos, que aliás são feitas
aos montes especialmente para as telas de cinema, poderiam conter negros no
papel dos protagonistas.
Além disso, novas histórias infantis precisam ter mais
negros nos papeis principais para inspirar (e educar) as crianças brancas e
negras no sentido de que para ser herói, príncipe e princesa, bonito e justo, a
cor da pele não importa.
As editoras e escritores, roteiristas de novelas e filmes...
todos têm um papel crucial nessa mudança. Não adianta de forma alguma tentar
combater o racismo em adultos se nada for feito na infância porque é lá que se
formam os conceitos e que se consegue inserir o respeito pelo próximo, a admiração
pelo próximo, o reconhecimento do outro como um ser igual de direitos e
idênticas capacidades.
Ághata Borralheira negra?
No Dia das Crianças do ano passado, por acaso, entrei numa
loja de brinquedos. Não havia bonecas negras, réplicas de heróis negros e
poucos bichinhos de pelúcia de cor preta (para falar a verdade quase nenhum).
Tentei me colocar no lugar de uma menininha negra percorrendo aquela loja em
busca de um presente. Eu não conseguiria levar para casa uma linda boneca negra
com coroa de princesa e onde eu pudesse me espelhar. Também não acharia um
gatinho ou cachorrinho preto de pelúcia representando a cor dos animais que
mais são abandonados nas ruas e sobram nos abrigos.
Claro que dificilmente uma criança vai questionar essa “ausência”
de brinquedos com os quais ela se identifique, mas isso entra de forma natural
na mente dela construindo um sentimento de exclusão. Enquanto isso, as crianças
brancas que percorrem a mesma loja se veem em toda parte. À primeira vista isso
pode parecer “inofensivo”, porém, mais tarde trará sérios danos para o conceito
de igualdade. E isso é também um FATO, igual ao de que a abolição da
escravatura está relativamente recente e causa ainda reflexos nos negros e
pardos.
CADA UM DE NÓS É RESPONSÁVEL PELA MUDANÇA
Nem todo mundo é professor, escritor, roteirista ou cineasta.
Mas todo mundo é uma dessas coisas: pai, mãe, tio, tia, madrinha, padrinho,
vizinho ou amigo de uma criança negra ou parda. Todo mundo tem filhos, sobrinhos
ou amigos com filhos em escolas onde negros e brancos crescem e aprendem juntos.
Por isso cada um de nós pode incentivar a leitura de histórias onde o negro tem
status de personagem principal (e do bem!). Procurem e deem livros com personagens
negros. Educadores: recomendem e apliquem histórias com personagens negros em
sala de aula.
Com base em minha experiência profissional e de vida, e
especialmente aquela visita à loja de brinquedos, e também por ter uma gata
preta que é especialmente muito comunicativa e ativa, tive a ideia de refazer
alguns clássicos infantis com protagonistas na pele de uma gatinha negra –
assim além de inserir o negro no universo infantil também posso motivar as
crianças a amarem e respeitarem animais de todas as cores, pois, como dito
acima, são também os animais de cor preta que mais sofrem com abandono nas ruas
e passam a vida nos abrigos sem serem
adotados. É REFLEXO DO RACISMO. Quem não respeita o humano negro, dificilmente
terá respeito pelo animal preto.
O projeto Ághata Borralheira (que é o nome da minha gatinha)
compreende uma série de histórias clássicas repaginadas no sentido de encantar
e sensibilizar crianças e adultos para a questão do racismo. O facebook da
Ághata Borralheira já está em atividade com muitas fotos, vídeos e histórias
inspiradoras sobre animais. Se você acha que pode contribuir para com essa
causa, se acha importante plantar essa semente nas futuras gerações para
construir um mundo mais justo e igualitário, visite o facebook da Ághata e
participe. Abaixo alguns vídeos que apresentam a Ághata Borralheira
para o público