Esse artigo é um dos mais lidos e elogiados do meu blog. Por isso estou republicando. Com tanta ignorância humana causando a morte de animais em massa, além das torturas diversas a que são expostos, achei que convém destacar esse texto novamente. E se vc concordar com ele, por favor, compartilhe.
Persiste uma mania de dizer que animal é irracional, ou seja, que não pensa.
Se tem uma coisa que me custa a crer é como uma gigantesca
população de humanos em pleno século XXI, incluindo vários protetores de
animais, ainda justifica atos de cães, gatos e outros animais como puramente
instintivos e/ou irracionais. Até um dos slogans mais conhecidos prega: não importa se eles pensam, importa que eles sentem... como se uma coisa
estivesse completamente desconectada da outra.
Mas onde e como nascem os sentimentos e emoções? Nascem da
apuração racional de uma situação, ou seja, a raíz das emoções é o pensamento... emoção é a resposta da interpretação daquilo que se vê e experimenta.
Podemos excetuar o instinto materno que é
naturalmente mais instintivo em qualquer espécie incluindo entre os humanos,
mas a grande maioria de ações executadas pelos animais tem sim muito de
racional. A mente deles registra fatos, têm memórias boas e ruins, e isso tudo vai gerando emoções e sentimentos
diversos como amor, medo, saudade e raiva.
Sim... eles podem odiar. Muita gente insiste em dizer que os
animais só são capazes de atos violentos por instinto de sobrevivência (em
busca de comida, disputa de fêmeas etc) e que se atacam alguém aparentemente
sem motivo é porque foram induzidos de alguma forma a esse comportamento. Não é
verdade.
Os animais têm PERSONALIDADE. Eles têm ÍNDOLE como nós. Essa personalidade se forma da mesma forma que a nossa, ou seja, a partir de experiências
individuais (felizes ou traumáticas) e com a interpretação que eles vão tendo a respeito de tudo que está ao redor deles.
Então nem todos os cães, gatos e outros animais são “bonzinhos". Alguns são solidários, outros egoístas. Uns são calmos, outros
agitados. Uns são amorosos, outros mais agressivos. E nada disso tem a ver com
a “raça”, mas com a personalidade de cada um deles construída a partir do que cada um experimentou na vida e, especialmente, como interpretou ou absorveu essa experiência. Assim, é completamente errado dizer, por exemplo, que gato persa é
manhoso e tigrado é mais arisco.
Deixa um gatinho persa crescer na rua e um vira-lata,
que prefiro tratar como “mestiço”, ser criado cheio de mimos. Cada um deles
responderá de acordo com o ambiente em que vive. A personalidade de cada um
deles será formada com essas experiências e a interpretação que fará delas
independente da quantidade de pelos ou se tem olhos azuis.
E a personalidade é uma coisa tão evidente que basta
observar uma colônia felina por uns dias ou uma casa cheia de gatos que
qualquer pessoa poderá perceber diferenças gritantes entre todos os membros.
Haverá gato mais tímido, outros mais confiantes, gato manso e gato mais arisco,
gato mais sonoro (falante) e outros que quase não miam, gato que brinca a vida
toda e outros que são pouco interessados em brincadeiras, uns comilões e outros
de apetite mais moderado.
Gatos
num mesmo ambiente e enfrentando as mesmas condições de vida podem desenvolver comportamentos completamente diferentes.
E por que isso acontece?
Se fosse apenas instinto e se fossem irracionais teriam comportamento padrão... só que não.
Nós somos iguais a eles nesse campo. Dois irmãos podem crescer juntos num
palácio. Um pode se tornar um príncipe e outro um carrasco. Dois irmãos podem
crescer juntos num cortiço bem pobre e violento. Um pode seguir o caminho da
marginalidade e outro se tornar um advogado.
Isso sem falar em características
próprias. Embora cresçam num mesmíssimo ambiente, algumas crianças serão mais
risonhas, outras mais sérias, outras mais tímidas e algumas mais atiradas...
isso porque cada uma fará sua própria interpretação do meio e reagirá de forma
muito individual apesar de viver em coletividade.
Isso acontece com cães e gatos e outros animais. Isso
acontece até com passarinhos que, à primeira vista, podem parecer padronizados.
Eu mesma assisti à criação de vários filhotes de pardais no quintal da minha
casa e pude ver que eles também têm personalidades distintas desde cedo. Quase sempre um dos filhotes é maior, come
mais e até pisa no outro para receber mais alimento dos pais. Esse acaba
aprendendo a voar mais rápido e se manda com a família, deixando o filhotinho
mais mirrado para trás.
Mas vi filhote grande, que já sabia voar, se recusar a
deixar o irmãozinho. Ele ficou perto dele por vários dias para garantir que os
pais continuassem alimentando os dois. Somente quando o menorzinho também
adquiriu forças para voar é que o irmão maior deixou o chão em definitivo.
E já
testemunhei o contrário. Irmão maior agressivo com o menor, que pegava toda a
comida oferecida pelos pais e voou assim que pôde. O irmãozinho ficou largado...
os pais o abandonaram... e levei-o para os biólogos do Ibirapuera, mas já era
tarde... estava muito desidratado e desnutrido.
Todo ser que carrega uma personalidade “pensa”, raciocina,
porque a personalidade (da onde advém o comportamento) nasce da “apuração
pessoal” do que acontece ao nosso redor.
Exemplo da minha gata. Claro que ela pensava e muito!
Às vezes durmo tarde e acordo tarde, passando da hora que
costumeiramente coloco comida fresca nos potinhos das minhas gatas. Às vezes,
nessas ocasiões, estou também com a porta do quarto fechada para não ter o sono
interrompido por elas logo cedo. Mas a Ághata descobriu como me fazer levantar
da cama. Ela ficava puxando a porta do armário debaixo da pia da cozinha que é
daquele tipo que volta sozinha graças a um sistema de mola. Então ela puxava a
porta com a patinha e soltava...
repetidas vezes. O som é algo assim “pum...
pum... pum”, como marteladas numa parede. Ela fazia isso até eu levantar e só fazia quando passava muito da hora de acordar. Isso não é instinto. Ela “descobriu” e "aprendeu" uma
forma de me perturbar. Ela “pensou” sobre alguma forma de emitir ruído capaz de
me fazer sair da cama. Quando você descobre algo e aprende
com aquilo... isso é raciocínio. O que a gente herda da natureza e gerações passadas é instinto, mas o que a gente aprende é fruto de raciocínio.
Outro exemplo nítido. Não só de raciocínio,
mas de comunicação. Uma barata voadora entrou em casa e eu me tranquei no
quarto porque tenho verdadeiro pânico de barata. Antes disso pude ver que a
barata tinha ido para a área de serviço. A porta do meu quarto está sem fechadura.
O buraco me permite ver uma parte da área de serviço (que é comprida). E por
esse buraco vi a Ághata brincando com a barata, jogando-a para cima e correndo
atrás dela.
A barata fugia para a parte da área que eu não podia ver pelo
buraco da porta, mas a Ághata fazia questão de trazê-la para meu campo de visão
e ainda olhava para mim e miava. Ela olhava diretamente para mim. Conseguia ver
meus olhos no buraco da porta ou simplesmente sabia que eu estava ali espiando.
Isso durou um tempo. A barata fugia e a Ághata trazia-a de
volta para meu campo de visão até que o bichinho virou de barriga para cima e
quando isso acontece, “todo gato que se preza abandona o inimigo ferido, pois, é
covardia atacar algo naquele estado”. Brincadeira. Tem gato que come barata mesmo estando bem alimentado e tem gato que brinca e larga. Nesse caso, a barata foi deixada na parte que eu
podia vê-la e a Ághata fez isso propositalmente... entendem?
Ela podia ter
agarrado essa barata mais para o fundo da área e a matado lá mesmo sem que eu
visse nada, mas ela queria que eu visse. Ela olhava para mim para ter certeza que eu estava assistindo tudo.
A ação dela foi intencional e claramente “pensada”.
Exemplos como esse e até bem mais complexos não faltam, mas
ainda ouço a frase: animal não pensa, é irracional, se atacam alguém é por
culpa do ser humano e se são bonzinhos é porque são “puros”.
Mas tem animal bom
e animal ruim
Exemplo de egoísmo: Já ajudei dois cães que viviam num minúsculo quintal.
O menor não conseguia comer porque o maior não deixava e avançava ferozmente
nele. Eu precisava fazer manobras fantásticas para alimentar o menor. É culpa
da fome? Talvez não.
Exemplo de solidariedade: Já alimentei também outros dois cães que ficavam num quintal, um pit bull e um
cãozinho menor... três vezes menor... e quando jogava ração pelo portão os dois
comiam os grãos feito loucos, esfomeados, mas o pit não atacava o cão menor. Se
o menorzinho chegava mais rápido na ração o pit corria para outro grão.
Todo animal tem sua própria personalidade por mais que tenha
também ações de natureza instintiva. Uma coisa não anula a outra. Também somos
assim: uma parte instinto e outra raciocínio. Uma parte boa e outra ruim. E somos predominantemente bons ou maus de acordo com nossa índole. E isso deriva de
nossas interpretações a respeito de tudo que nos cercam. Com base nessas interpretações é que fazemos escolhas... e escolher é “pensar em como agir”.
Todos os animais também
fazem escolhas, até as mais simples, como o lugar onde dormir. E eles sentem
frio, fome e medo (como diz o slogan para justificar a necessidade de respeitar
seu direito de viver)... ok... isso já é o suficiente para serem respeitados...
mas negar ou não enxergar que pensam é absurdo em pleno século XXI.
Texto: Fátima Chu🌎Ecco, jornalista, escritora, consultora da
@buscacats 😻e fundadora da editora @miaumagazine 🐶🐱