quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Zé do Caixão comemorou 50 anos de carreira no meu desfile dos 100 Anos do Museu do Ipiranga



Tchau Zé... e obrigada por ter abrilhantado o desfile dos 100 Anos do Museu do Ipiranga

Eu nasci no Ipiranga, mesmo bairro onde Zé do Caixão passou boa parte de sua vida. Aliás, ele tinha um escritório na Rua Silva Bueno onde fui procurá-lo para que participasse de um desfile que eu havia criado para comemorar os 100 Anos do Museu do Ipiranga, no Parque Independência, onde D. Pedro proclamou a Independência do Brasil.

Embora o Zé do Caixão tivesse uma trajetória de glória como diretor de um cinema “único” de terror que ele mesmo criou, naquela época em que o procurei as coisas não estavam bem para ele.  Faltava trabalho e entusiasmo. Ele aceitou o convite mesmo não havendo qualquer remuneração. Eu não tinha verba e tudo que consegui foi por meio de permuta.


Eu tinha acabado de voltar de Campinas (Interior de SP) onde havia trabalhado como colunista social e depois me aventurado em desfiles de moda. Por lá fiz dois, um com looks para o Natal e Ano Novo, e outro inspirado em estrelas do cinema. Chegando em SP percebi a feliz coincidência: o Museu do Ipiranga estava fazendo 100 anos e Zé do Caixão 50 anos de carreira.

Lembro direitinho que faltava apenas um mês para o aniversário do Museu. Um mês. Eu não tinha nem telefone e precisei usar do meu amigo e vizinho. Morava com meu pai que era então um recém-viúvo. E desde que vislumbrei a possibilidade de uma comemoração conjunta do Museu com o Zé, não parei mais de pensar nisso.

Então convidei oito estilistas ainda em início de carreira, mas já com alguma fama, como Heitor Werneck e Lourenzo Merlino, para desenvolverem looks inspirados na história do Brasil. Tudo sem qualquer colaboração em dinheiro, nem minha, nem deles. No Museu pedi para falar com a diretoria. Na época era uma japonesinha que adorou a iniciativa, mas ficou temerosa porque simplesmente nunca tinha sido feito um desfile de moda dentro do Museu, apenas na parte externa... e eu queria lá dentro, com as modelos descendo a bela escada daquele patrimônio histórico.



Tinha pressa e pedi uma resposta breve. Minha proposta foi aceita e então contatei a atriz e diretora Carla Camurati que havia dirigido o filme “Carlota Joaquina – Princesa do Brasil”. Pedi o figurino e ela, gentilmente, do próprio bolso, me enviou pelo correio. Os trajes abriram o desfile que contou com a cobertura de toda a imprensa televisiva e escrita. Todos os telejornais mostraram o desfile e encerraram suas edições com imagens do evento, especialmente da Xica da Silva e Marquesa de Santos que foram as que mais fizeram sucesso.

A Marquesa usou um belo vestido rodado estampado com o rosto de D. Pedro I. Na época, por outra feliz coincidência, uma estilista que estava fazendo as réplicas de vestidos de noiva da época da realeza portuguesa me procurou interessada em participar. Foi lindo! Inesquecível! Os vestidos eram deslumbrantes!


Também convidei algumas grifes: Dudalina, Madame X e Ellus. Tudo sem gastar um tostão. Procurei a Coca-Cola para ver se podiam ceder copos de água aos convidados e também deu certo. Ganhei a iluminação, o som e até as cadeiras para os convidados. Tudo em permuta. 

Coloquei todos esses colaboradores num convite bem amador, bem simples, que eu mesma fiz. Na portaria recebendo os cerca de 500 convidados ficou meu amigo Edinho, que também emprestou a casa e o telefone. Teve ajuda de todo lado e foi um sucesso!





O Zé do Caixão fez interferências triunfais, entre um e outro desfile de moda, ao lado de uma de suas filhas

Meu amigo DJ Tonny, que ficou famoso pela Baladas Anos 80, se encarregou do som e para o Zé do Caixão caprichou numa trilha gótica. A iluminação contou com apoio do então Turco Loko – bem conhecido no Ipiranga e no cenário político de SP. Eu assinei toda a direção do evento e também fiz sozinha toda a divulgação para a mídia.

          Revista VEJA

Foi um belo sonho transformado em realidade e que, sem dúvida, foi muito abrilhantado com as performances do Zé do Caixão. Depois do evento, inclusive, ele voltou à cena artística. Se não me engano teve um programa na MTV e outro na Record. Começou a ser chamado de novo para eventos e projetos artísticos. E eu adorei saber que o desfile no Museu o ajudou na ressuscitação de seu personagem tão único.

Bastidores

Mas teve algumas coisas de bastidores que vale recordar também. Antes de fechar com o Museu e com os convidados, eu expus minha ideia durante um almoço na casa da minha irmã Rose. Eu queria testar, digamos, a opinião pública e ter uma ideia se era muito delírio fazer o tal desfile de 100 anos do Museu faltando só um mês para a data comemorativa.... e sem verba.

“A ideia é boa” – lembro direitinho do meu cunhado Dante largando o garfo, olhando nos meus olhos e dizendo “A ideia é boa”. Engraçado como tem coisas que nos marcam, né? A frase dele me marcou... talvez porque eu estivesse muito necessitada de alguém acenando positivamente para o meu projeto. Mas ele certamente não se lembra disso.


Também me marcou um sonho que minha outra irmã, a Vera, teve e do qual acredito que ela também não se lembra. Pouco tempo antes do desfile, quando eu já estava a pleno vapor na produção, ela sonhou com minha mãe falecida. Junto com outras pessoas (que não me lembro se era o restante da família ou desconhecidos) ela girava em torno do Museu, flutuava ao redor do Museu. Eles formavam uma roda abraçando o Museu. Era uma espécie de sinal de proteção. E realmente tudo que precisei para realizar o desfile eu consegui em pouquíssimo tempo.

Meu amigo Edinho, que foi meu grande companheiro nessa empreitada, já faleceu, mas também me marcou muito ele contando que a tal japonesinha que era diretora do Museu passou o evento todo segurando os quadros nas paredes com medo de caírem ou roubarem. Ele contou isso umas mil vezes rindo da situação... rindo dela correndo pra lá e pra cá tentando proteger os quadros, já que deu muito mais gente do que o previsto e era a primeira vez de um evento desse tipo lá dentro. E ele também descreveu meu pai, que foi todo “arrumadinho” e parecia orgulhoso. Meu pai morreu no ano seguinte.


Enfim... foi tudo perfeito, feito com muito amor e uma coragem que não sei se ainda tenho. Mas dentro de mim nunca morrerá uma gratidão imensa a todos que ajudaram esse sonho virar realidade.



Fátima ChuEcco em 19/02/2020 - em gratidão ao Zé do Caixão falecido nesta data aos 83 anos

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Penso, logo, existo e me expresso! Decifre o que eles estão sentindo!

Embora o filósofo Descartes tenha ficado mundialmente famoso com a frase "Penso, logo, existo" que na época foi associada apenas a...