Tchau Zé... e obrigada por ter abrilhantado o desfile dos
100 Anos do Museu do Ipiranga
Eu nasci no Ipiranga, mesmo bairro onde Zé do Caixão passou
boa parte de sua vida. Aliás, ele tinha um escritório na Rua Silva Bueno onde
fui procurá-lo para que participasse de um desfile que eu havia criado para
comemorar os 100 Anos do Museu do Ipiranga, no Parque Independência, onde D. Pedro proclamou a Independência do Brasil.
Embora o Zé do Caixão tivesse uma trajetória de glória como
diretor de um cinema “único” de terror que ele mesmo criou, naquela época em
que o procurei as coisas não estavam bem para ele. Faltava trabalho e entusiasmo. Ele aceitou o convite
mesmo não havendo qualquer remuneração. Eu não tinha verba e tudo que consegui
foi por meio de permuta.
Eu tinha acabado de voltar de Campinas (Interior de SP) onde
havia trabalhado como colunista social e depois me aventurado em desfiles de
moda. Por lá fiz dois, um com looks para o Natal e Ano Novo, e outro inspirado
em estrelas do cinema. Chegando em SP percebi a feliz coincidência: o Museu do
Ipiranga estava fazendo 100 anos e Zé do Caixão 50 anos de carreira.
Lembro direitinho que faltava apenas um mês para o
aniversário do Museu. Um mês. Eu não tinha nem telefone e precisei usar do meu
amigo e vizinho. Morava com meu pai que era então um recém-viúvo. E desde que
vislumbrei a possibilidade de uma comemoração conjunta do Museu com o Zé, não
parei mais de pensar nisso.
Então convidei oito estilistas ainda em início de carreira,
mas já com alguma fama, como Heitor Werneck e Lourenzo Merlino, para
desenvolverem looks inspirados na história do Brasil. Tudo sem qualquer
colaboração em dinheiro, nem minha, nem deles. No Museu pedi para falar com a
diretoria. Na época era uma japonesinha que adorou a iniciativa, mas ficou
temerosa porque simplesmente nunca tinha sido feito um desfile de moda dentro
do Museu, apenas na parte externa... e eu queria lá dentro, com as modelos
descendo a bela escada daquele patrimônio histórico.
Tinha pressa e pedi uma resposta breve. Minha proposta foi
aceita e então contatei a atriz e diretora Carla Camurati que havia dirigido o
filme “Carlota Joaquina – Princesa do Brasil”. Pedi o figurino e ela,
gentilmente, do próprio bolso, me enviou pelo correio. Os trajes abriram o
desfile que contou com a cobertura de toda a imprensa televisiva e escrita.
Todos os telejornais mostraram o desfile e encerraram suas edições com imagens
do evento, especialmente da Xica da Silva e Marquesa de Santos que foram as que
mais fizeram sucesso.
A Marquesa usou um belo vestido rodado estampado com o rosto
de D. Pedro I. Na época, por outra feliz coincidência, uma estilista que estava
fazendo as réplicas de vestidos de noiva da época da realeza portuguesa me
procurou interessada em participar. Foi lindo! Inesquecível! Os vestidos eram
deslumbrantes!
Também convidei algumas grifes: Dudalina, Madame X e Ellus.
Tudo sem gastar um tostão. Procurei a Coca-Cola para ver se podiam ceder copos
de água aos convidados e também deu certo. Ganhei a iluminação, o som e até as
cadeiras para os convidados. Tudo em permuta.
Coloquei todos esses
colaboradores num convite bem amador, bem simples, que eu mesma fiz. Na
portaria recebendo os cerca de 500 convidados ficou meu amigo Edinho, que
também emprestou a casa e o telefone. Teve ajuda de todo lado e foi um sucesso!
O Zé do Caixão fez
interferências triunfais, entre um e outro desfile de moda, ao lado de uma de
suas filhas.
Meu amigo DJ Tonny, que ficou famoso pela Baladas Anos 80, se
encarregou do som e para o Zé do Caixão caprichou numa trilha gótica. A
iluminação contou com apoio do então Turco Loko – bem conhecido no Ipiranga e
no cenário político de SP. Eu assinei toda a direção do evento e também fiz
sozinha toda a divulgação para a mídia.
Revista VEJA
Foi um belo sonho transformado em realidade e que, sem
dúvida, foi muito abrilhantado com as performances do Zé do Caixão. Depois do
evento, inclusive, ele voltou à cena artística. Se não me engano teve um
programa na MTV e outro na Record. Começou a ser chamado de novo para eventos e
projetos artísticos. E eu adorei saber que o desfile no Museu o ajudou na
ressuscitação de seu personagem tão único.
Bastidores
Mas teve algumas coisas de bastidores que vale recordar
também. Antes de fechar com o Museu e com os convidados, eu expus minha ideia
durante um almoço na casa da minha irmã Rose. Eu queria testar, digamos, a opinião
pública e ter uma ideia se era muito delírio fazer o tal desfile de 100
anos do Museu faltando só um mês para a data comemorativa.... e sem verba.
“A ideia é boa” – lembro direitinho do meu cunhado Dante
largando o garfo, olhando nos meus olhos e dizendo “A ideia é boa”. Engraçado
como tem coisas que nos marcam, né? A frase dele me marcou... talvez porque eu
estivesse muito necessitada de alguém acenando positivamente para o meu
projeto. Mas ele certamente não se lembra disso.
Também me marcou um sonho que minha outra irmã, a Vera, teve
e do qual acredito que ela também não se lembra. Pouco tempo antes do desfile,
quando eu já estava a pleno vapor na produção, ela sonhou com minha mãe
falecida. Junto com outras pessoas (que não me lembro se era o restante da
família ou desconhecidos) ela girava em torno do Museu, flutuava ao redor do
Museu. Eles formavam uma roda abraçando o Museu. Era uma espécie de sinal de
proteção. E realmente tudo que precisei para realizar o
desfile eu consegui em pouquíssimo tempo.
Meu amigo Edinho, que
foi meu grande companheiro nessa empreitada, já faleceu, mas também me marcou
muito ele contando que a tal japonesinha que era diretora do Museu passou o
evento todo segurando os quadros nas paredes com medo de caírem ou roubarem.
Ele contou isso umas mil vezes rindo da situação... rindo dela correndo pra lá e pra
cá tentando proteger os quadros, já que deu muito mais gente do que o previsto e
era a primeira vez de um evento desse tipo lá dentro. E ele também descreveu meu
pai, que foi todo “arrumadinho” e parecia orgulhoso. Meu pai morreu no ano
seguinte.
Enfim... foi tudo perfeito, feito com muito amor e uma
coragem que não sei se ainda tenho. Mas dentro de mim nunca morrerá uma
gratidão imensa a todos que ajudaram esse sonho virar realidade.
Fátima ChuEcco em 19/02/2020 - em gratidão ao Zé do Caixão falecido nesta data aos 83 anos
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